reportagem especial

Ônibus: diante do aumento da passagem, usuários reclamam por melhorias no serviço

Tatiana Py Dutra

O trajeto para novo reajuste da tarifa de transporte coletivo em Santa Maria começou a ser pavimentado há algumas semanas. Em 27 de abril, o prefeito Jorge Pozzobom (PSDB) assinou o decreto que apresentava a atualização da planilha de custos para o cálculo da tarifa. 

Ao saber do fato, na quarta-feira passada, o diretor da Associação dos Transportadores Urbanos (ATU), Edmilson Gabardo, que também preside o Conselho Municipal de Transportes, deu marcha a uma reunião extraordinária do grupo para fazer o novo cálculo. O encontro, na última sexta-feira, indicou que a passagem deve passar de R$ 3,60 a R$ 3,93: uma alta de 9%. Para que passe a valer, o reajuste deve ser submetido a avaliação do relator do conselho, um representante do Sindicato dos Contabilistas, cujo parecer deve ser votado na próxima terça-feira. O resultado será levado ao prefeito, que pode vetar, aceitar ou alterar o valor. 

Diante de um aumento iminente, os usuários do transporte coletivo reclamam melhorias que passam pelo cumprimento do horário dos ônibus, ar-condicionado, paradas de ônibus onde hoje há apenas vazios, ampliação da rota e o fim da superlotação. 

Nesta reportagem especial, você confere a realidade de quem depende do transporte coletivo e os argumentos dos transportadores e da prefeitura.




USUÁRIOS PROTESTAM 

Mudanças na tarifa não vêm sem chiadeira. De um lado, os empresários alegam que os aumentos de preço não representam lucro - segundo Gabardo, as empresas recebem apenas 4,5% do valor total pago pelo usuário. De outro lado, há as reclamações de quem depende dos ônibus para se locomover.
- É um absurdo termos de pagar ainda mais caro para andar em ônibus lotados, que se atrasam. Nem paradas de ônibus essa cidade tem - reclama o chapista Ronaldo Figueiredo, 30 anos, morador da Vila Carolina. 

A superlotação dos ônibus que levam ao campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) nos horários de pico são a principal queixa dos usuários. 
- Eu pego ônibus às 7h, no terminal, mas quando chega na segunda parada, já está bem cheio, e continua subindo gente. Na volta, é pior ainda, porque além de lotado, o trânsito é lento - conta o estudante Antônio Vieira, 20 anos.

Em função das reclamações, a Câmara de Vereadores criou uma comissão especial para analisar a situação. O presidente do grupo, Adelar Vargas, o Bolinha (PMDB), e o relator, Marion Mortari (PSD), decidiram fazer trabalho de campo para apurar as demandas. Desde janeiro, eles visitam os bairros da cidade usando diferentes linhas de ônibus, e conversam com os passageiros.
- Eles se queixam da tarifa, da superlotação, da falta de veículos acessíveis e de acessibilidade para deficientes nas paradas. E ainda há comunidades que não são contempladas com o transporte coletivo, como, por exemplo, a Vila Brenner - diz Bolinha.

Hoje, a comissão se debruça sobre um decreto assinado pelo ex-prefeito Cezar Schirmer, datado de 2010, fazendo uma série de exigências que, segundo o vereador Bolinha, até hoje não foram cumpridas pela ATU.
- Foi o decreto que prorrogou em 10 anos o contrato das empresas, sem licitação. Entre outras coisas, as empresas deveriam ter 50% da frota com elevadores para deficientes. Ano passado, chegaram em 40% - afirma.

O diretor da ATU tem outra informação.
- Mais de 50% dos ônibus são acessíveis - garante Gabardo.
Aos trancos, barrancos e contradições, segue a viagem que reúne usuários, empresários, Executivo e Legislativo rumo à nova tarifa, como você confere a seguir.

ACIMA DA INFLAÇÃO
Desde 2002, passar pela catraca na cidade ficou R$ 2,70 mais caro. A passagem, que estava em R$ 0,90 naquela época, subiu 300%. Se a tarifa tivesse subido apenas acompanhando a média da inflação pelo IPCA, deveria estar custando agora R$ 2,42. Porém, já acumula uma alta real de 48% acima da inflação no período. Se subir para R$ 3,93, será uma alta real de 62%.  

O QUE PESA NA CONTA
A tarifa do transporte coletivo é calculada pela Secretaria de Mobilidade Urbana levando em consideração os seguintes itens:

  • Preços e salários - Os valores de combustíveis, lubrificantes, além de salários dos funcionários das companhias
  • Dados operacionais - É referente à frota disponível, aos passageiros transportados e ao total de quilômetros percorridos
  • Custo variável - São os gastos mensais de serviços, como abastecimento, peças, pneus, encargos e despesas administrativas
  • Tributos - Valor pago em impostos, que chega a 4,5% do faturamento bruto



AS LONGAS JORNADAS A PARTIR DA MARINGÁ
Em 2010, o Bairro Diácono João Luiz Pozzobon, na Região Centro-Leste, contava com cerca de 3 mil moradores. Oito anos depois, a região - formada pelo Conjunto Residencial Diácono João Luiz Pozzobon, Jardim Berleze, João Luiz Pozzobon, Loteamento Paróquia das Dores, Vila Cerrito e Vila Maringá - ganhou os loteamentos Zilda Arns e Leonel Brizola, e centenas de novas famílias. Na avaliação do estudante Rafael Freitas, 29 anos, o serviço de ônibus não leva esse dado em consideração.
- O número de linhas e de horários é o mesmo de anos atrás - crê o morador da Vila Maringá. 

Em função da dificuldade de deslocamento, Freitas juntou dinheiro e comprou uma moto. O veículo só fica encostado quando o estudante passa alguns dias com o filho Andrew, 4 anos. Para levar e trazer o menino, que mora em Itaara, a saída é o ônibus. No dia 1º de maio, encontramos a dupla, pacientemente, à espera da linha Maringá.
- Era para passar às 15h30min, mas já são 15h41min, e nada. Não sei se vai dar tempo para pegar o ônibus para ir a Itaara - comentou Freitas.

A vila ainda é servida pelas linhas Jardim Berleze e Fernando Ferrari. Porém, segundo o comerciário Elias Rodrigues Fagundes (foto acima), 19 anos, eles nem sempre são uma alternativa eficaz para os trabalhadores do bairro. 
- O Maringá é o que leva mais rápido ao Centro, mas também é o mais raro de se pegar, porque tem menos horários. Já o Ferrari demora uma hora para chegar ao Centro e o Jardim Berleze, 30 minutos - acrescentando que as linhas atendem várias vilas. 

Elias fala com o conhecimento de quem vive há três anos no bairro: dois na Vila Maringá e um no Jardim Berleze.
- No Berleze (o transporte) é pior ainda. Especialmente no feriado, quase não tem horários. Quem mora lá caminha muito para pegar ônibus. E se você perder, com certeza chegará atrasado no trabalho - avalia.

A falta de variedade nos horários de ônibus não é só um problema na hora de ir trabalhar. Voltar também pode ser difícil:
- Se saio cedo, às 19h, não me vale, porque só tem ônibus às 20h. Os domingos são piores. Uma vez, cheguei na parada às 7h30min, e 9h30min e não havia passado nenhum ônibus..

Por isso, não é raro ver dezenas de pessoas caminhando pela rua de acesso ao bairro rumo e de volta à Faixa Nova de Camobi, onde passam mais ônibus.
- Se posso, chamo um carro executivo para não me atrasar - conta Elias.



CAMINHAR É PRECISO NO CAMPESTRE 
O estudante de Educação Física Julimar Marinho de Paula, 23 anos, pega pelo menos quatro coletivos por dia. Morador do Bairro Campestre do Menino Deus, no norte da cidade, ele é aluno da Ulbra, que fica no Passo da Ferreira, na Região Oeste. A distância entre os dois pontos não é a principal dificuldade, e, sim, os horários dos coletivos. 

A casa em que o rapaz vive com a família é próxima ao templo Aruanda de Xangô, que fica a cerca de 3 km da Rua Vereador Antônio Dias, a principal do bairro. A localidade é atendida pela linha Campestre em alguns horários do dia, especialmente pela manhã. Na maioria das vezes em que precisa do coletivo, Julimar vence o caminho a pé para ter chance de pegar ônibus mais cedo. Para voltar, o problema é outro:
- Saio da aula às 22h, mas só chego em casa à meia-noite. Eu pego (a linha) Tancredo Neves via Passo da Ferreira, que faz a volta na vila e chega 22h40min no Centro. Aí, perco o Campestre das 22h30min. O próximo é só 23h30min. Fico uma hora no ponto esperando.

O estudante acrescenta que para quem mora no Rincão, localidade além de sua casa cerca de 4,5 km, a situação é ainda mais complicada.
- O ônibus ia até lá em alguns horários. O último ônibus, que vinha perto da meia-noite, estava sempre cheio. Mas ano passado, cancelaram essa linha. O pessoal vai para lá a pé e no escuro, porque não tem luz na rua - comenta.

Como usuário assíduo do transporte coletivo, Julimar ficou desgostoso ao saber de novo reajuste.
- A gente queria que melhorasse, né? Pagamos quase R$ 4 e, muitas vezes, andamos em ônibus com bancos arrebentados e sujos. Às vezes, nem a campainha para descer está funcionando. Podiam, no mínimo, colocar mais horários para o Campestre. A gente vê muitos ônibus Brigada/Itararé passando vazios enquanto está na parada, esperando por ele. Aqui é um local povoado, as pessoas precisam de transporte, mas as empresas agem como se não morasse ninguém aqui - reclama.

Por essas e por outras, a mãe de Julimar, a dona de casa Lizabete Marinho, 56 anos, decidiu andar somente a pé:
- Dependendo do horário, nem vale a pena pegar ônibus. Se você sai caminhando, chega mais rápido.



DIRETOR DA ATU PEDE VALORIZAÇÃO
Os usuários têm queixas? Pois o diretor da Associação dos Transportadores Urbanos (ATU), Edmilson Gabardo, também têm. Para começar, ele não gosta da ideia cristalizada na comunidade de que as empresas propõem o índice do reajuste da tarifa: 

- As empresas não propõem nada. Há uma planilha de custos que temos (no Excel), que é alimentada com valores médios de gastos com coisas como combustíveis, pneus, pessoal. Esse programa faz os cálculos de quanto custa o quilômetro rodado na cidade. É daí que vem a sugestão de preço.
Gabardo também alega que se o preço da passagem é alto, a quantidade de gratuidades e descontos (como as concedidas aos estudantes) pesam no bolso do usuário médio.
- Hoje, as empresas recebem R$ 2,50 por passageiro transportado. O restante, R$ 1,10, é o usuário que paga - diz.   

O diretor da ATU também rechaça algumas queixas recorrentes entre os passageiros. A falta de coletivos climatizados, entre elas.
- Nos comprometemos com o município que 20% dos ônibus novos teriam ar. A cada 10, dois têm o aparelho. Entendo que as pessoas queiram ar em todos os ônibus, mas quero saber se perguntaram para o usuário se ele quer pagar mais para andar em um ônibus com ar-condicionado. Porque é só ele quem para a conta e um veículo desses é 25% mais caro que o comum - argumenta.

Gabardo diz achar injusta a situação. Sob sua ótica, o transporte público deveria ser subsidiado pelo dinheiro de impostos. 
- O transporte coletivo não beneficia apenas quem anda de ônibus, mas o trânsito de toda a cidade. Imagina se todo mundo tivesse seu carro, sua moto, como seria andar nas ruas? O ônibus faz o papel de 40 carros. O usuário não pode pagar sozinho - diz o empresário, para depois acrescentar que a única cidade do país a assumir essa responsabilidade no país, ao custo, segundo Gabardo, de R$ 3 bilhões anuais em tributos.

E sobre os atrasos de algumas linhas de ônibus - queixa recorrente entre passageiros -, o diretor da ATU atribui ao trânsito caótico, às obras de duplicação de rodovias e à falta de prioridade ao transporte coletivo:
- Tem de haver privilégio para o transporte público. Todas essas duplicações sendo feitas e não há projeto para corredor ou via expressa para coletivos. Os ônibus vão ficar presos no tráfego, junto com os carros. Qual a vantagem de usá-lo?



E AS PARADAS?
Há menos de um mês no cargo, o secretário de Mobilidade Urbana, João Ricardo Vargas, se vê com mais essa batata quente nas mãos: a polêmica do reajuste. Coronel da reserva da Brigada Militar, ele considera um desafio lidar com os variados atores que compõem o cenário que precisa administrar - com posturas e interesses diferentes do que ele via na caserna.

Mas ele se sente confortável para afirmar que a comunidade tem razão de reclamar de um novo reajuste frente à falhas no serviço de transporte público como um todo. E faz um mea-culpa, especialmente na conservação dos abrigos de ônibus.
- Eu me sinto envergonhado. Fizemos um levantamento da situação e temos um relatório de 400 páginas, com duas fotos por página, sobre a situação dos abrigos. Só na região central, há 83 paradas sem condições. Neste primeiro momento, estamos selecionando os locais com maior número de passageiros para fazer reformas. Os trabalhos já começaram - afirma.

Vargas também informou que já foi solicitado que o Instituto de Planejamento de Santa Maria (Iplan) elabore um novo modelo de abrigo, já que a cidade ainda conta com pelo menos três modelos diferentes, que restaram de administrações municipais anteriores, feitas com diferentes matérias e com durabilidade variada. 

A construção de rampas para facilitar acesso aos pontos de ônibus também está na lista de prioridades. Nesse sentido, a número um é a do paradão da Avenida Rio Branco, um obstáculo gigante para quem tem dificuldades de locomoção.
- Já era para estar pronta. Mas vamos nos reunir com o secretário de Infraestrutura, coronel Paulo Roberto de Almeida Rosa, para encaminhar que a obra seja feita em um final  de semana, aproveitando o menor tráfego de pessoas - planeja Vargas.

E se impedir um aumento de tarifa é impossível, exigir melhorias e fiscalizar sua implementação não é. Segundo o secretário, a falta de cobrança foi o que frustrou expectativas de administrações anteriores - entre elas, identificação biométrica para usuários com gratuidade. Mas ele informa que, até o momento, o Executivo não elaborou nenhuma exigência especial para a aprovação do reajuste.
- Ainda não está estabelecido o que vamos solicitar em contrapartida, mas vamos solicitar, porque é nosso papel. E vamos fiscalizar. O serviço precisa ser bem realizado, e isso pode ser atingido por meio da fiscalização. E não só nos ônibus, mas também nos táxis e nas vans escolares - garante o secretário.



E A LICITAÇÃO?
Nunca houve licitação para a concessão do transporte coletivo em Santa Maria. Segundo os registros, contrato com as atuais empresas de ônibus foi lavrado em de 1973, quando o Executivo não era obrigado por lei a fazer concorrência pública para conceder os serviços. 

Porém, todos os contratos venceram quando já vigorava a Constituição de 1988, que tinha diferente entendimento. A determinação era de que, quando vencessem, fosse feita licitação. Isso ocorreu quando Valdeci Oliveira era prefeito, mas a concorrência não foi realizada. No seu primeiro mandato, em 2010, Cezar Schirmer renovou os contratos por decreto executivo, sem licitação. Não respeitar a determinação da lei rendeu uma ação do Ministério Público contra os dois ex-prefeitos. 

Segundo o controlador-geral do município, Alexandre Lima, uma instrução especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE) determinou que o município iniciasse seu processo de licitação, mesmo reconhecendo que seria demorado.
- Pelo tamanho da cidade, demoraria até dois anos e necessitaria do Plano Diretor de Mobilidade Urbana como referência - diz Lima.

Ocorre que, em 21 de fevereiro passado, o Tribunal de Justiça do Estado determinou que Santa Maria deve cumprir o contrato vigente com as empresas de transporte. O prazo só termina em 25 de janeiro de 2020. O controlador-geral, porém, não vê problemas na espera.
- Isso dá tempo para que a gente elabore um projeto de licitação ouvindo a comunidade. Devemos apresentá-lo até o início do ano que vem - projeta Lima.

_______________________________

EXPEDIENTE

reportagem
TATIANA PY DUTRA

fotos
GABRIEL HAESBAERT

edição de videos
RAFAEL SANCHES GUERRA

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